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Artigos


O lugar do brincar na psicanálise de crianças

 

The place of playing in psychoanalysis of children

 

 

Eliana Marcello de Felice

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A teoria sobre o brincar concebida por Winnicott gerou modificações significativas no pensamento psicanalítico contemporâneo. A relação analítica passou a ser considerada como a criação de um espaço potencial em que duas pessoas tenham a possibilidade de brincar juntas. Somente assim, o paciente pode descobrir seu self e desenvolver sua criatividade. Transposto para a situação de análise infantil, o brincar mútuo entre paciente e analista constitui-se na principal realização da psicoterapia. Pelo relato da brincadeira de uma menina de 6 anos de idade em atendimento psicanalítico, objetivou-se demonstrar a capacidade terapêutica e mutativa da experiência do brincar na relação analítica. Verificouse que a brincadeira conjunta desenvolvida entre paciente e analista possibilitou que transformações significativas pudessem ocorrer.

Palavras-chave: Brincar, Psicanálise infantil, Experiência terapêutica, Psicologia clínica, Winnicott.


ABSTRACT

Winnicott´s playing theory brought significant modifications on contemporaneous psychoanalytic thought. The analytic relation became to be considered the creation of a potencial space in which two people have the possibility of playing together. Only then, the patient can find his self and develop his creativity. Transposed to the situation of infantile analysis, the mutual playing between patient and analyst is the principal realization of psychotherapy. Through the report of the playing of a six-year-old girl in psychoanalytic treatment, this paper aimed to demonstrate the therapeutical and changing capacity of the playing experience in the analytic relation. It was found that the mutual playing between patient and analyst made possible that significant transformations could happen.

Keywords: Playing, Infantile psychoanalysis, Therapeutical experience, Clinical psychology, Winnicott.


 

 

Introdução

O atendimento psicanalítico de crianças nos faz deparar com uma questão fundamental nessa modalidade de trabalho, referente ao lugar da brincadeira nas sessões analíticas. Sabemos que houve alterações significativas na maneira como os estudiosos da psicanálise passaram a compreender esta questão. Abordar este tema é defrontar-se com diversas perguntas que são suscitadas, como por exemplo: o brincar da criança em processo de análise deve ser interpretado? Deve-se permitir à criança a repetição infindável de sua brincadeira? O brincar em si é importante? Tem valor terapêutico? Como deve ser a participação do analista nas brincadeiras que a criança desenvolve? O mundo psíquico, ainda em formação, que se apresenta diante de nós, leva-nos à reflexão sobre a técnica mais adequada para adentrarmos nesse mundo, a fim de compreendê-lo e facilitar os processos de elaborações psíquicas.

Considero que a prática clínica é o melhor caminho a seguir se quisermos oferecer algumas respostas a essas instigantes questões. Com esse objetivo, apresento, neste artigo, o estudo de caso de uma criança de 6 anos de idade que muito me ajudou a compreender o valor e a importância da brincadeira que se desenvolve em análise infantil, bem como a pensar no manejo e na participação do analista no brincar da criança.

 

Revisão teórica

A técnica em Psicanálise infantil sofreu diversas modificações ao longo do tempo. Desde o método clínico de Klein e seus seguidores, que acentuava a importância do trabalho exaustivo de interpretação em análise de crianças, visando à decodificação do significado da brincadeira desenvolvida na sessão analítica, encontramos, atualmente, modelos teóricos que ampliam ou alteram essas concepções originais. Temos por exemplo, dentro de um modelo bioniano, a proposta de Ferro de interpretações “insaturadas”, pensadas como “algo construído a duas vozes, fruto da relação da qual participarão, de modo diferente, as duas mentes” (FERRO, 1995, p. 36). Nessa perspectiva, a decodificação de significados cede lugar à construção de sentidos. O autor cita inúmeros exemplos, visando a demonstrar como aquilo que ele denomina de “excesso de atividade interpretativa” pode provocar um engaiolamento da comunicação e fazer assumir um sentido de maneira forte, excluindo todos os outros.

Valorizando sobremaneira o brincar em análise e a presença do outro com quem a criança possa brincar, Ferro afirma que “é somente a presença mental de alguém mais que brinque com a criança que permite que o jogo seja plenamente transformador de angústias” (FERRO, 1995, p. 80).

Com Winnicott também encontramos uma relativização da importância da interpretação verbal em análise, juntamente com uma acentuação da relevância do brincar, considerado como dotado de valor terapêutico. Para Winnicott (1975), é somente no brincar que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e descobrir seu self. Além disso, é somente no brincar que é possível a comunicação. O autor considera que a psicanálise é uma “forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros” (WINNICOTT, 1975, p. 63). Quando o paciente não é capaz de brincar, o terapeuta deve dirigir seu trabalho no sentido de levá-lo a conseguir brincar.

Efetuada na sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta, a psicoterapia implica que duas pessoas sejam capazes de brincar juntas. Por si mesmo, o brincar é visto como uma terapia. No contexto da análise infantil, Winnicott sugere ao terapeuta de crianças que o espaço de brincar tenha maior importância do que o momento das “argutas interpretações” (WINNICOTT, 1975, p. 75). Aliás, interpretar quando o paciente não tem capacidade para brincar simplesmente não é útil ou causa confusão:

Minha descrição equivale a um pedido a todo terapeuta para que permita a manifestação da capacidade que o paciente tem de brincar, isto é, de ser criativo no trabalho analítico. A criatividade do paciente pode ser facilmente frustrada por um terapeuta que saiba demais. Naturalmente, não importa, na realidade, quanto o terapeuta saiba, desde que possa ocultar esse conhecimento ou abster-se de anunciar o que sabe (WINNICOTT, 1975, p. 83-84).

Se a interpretação ocorre fora do amadurecimento do material que se apresenta na sessão analítica, trata-se, para o autor, de doutrinação, o que tende a produzir submissão. Para se fazer psicoterapia, é necessário que o brincar seja espontâneo, e não aquiescente ou submisso.

A brincadeira em análise segue o paradigma do “jogo da espátula”, proposto por Winnicott (1982a) para mães com seus bebês em sua clínica pediátrica. Ele observou que esse jogo apresentava naturalmente três períodos consecutivos: hesitação, apropriação e desinvestimento do objeto. Após diversas situações observadas, ele concluiu que era necessário propiciar à criança uma experiência completa, que incluía esses três períodos, o que provocava uma mudança em sua vida psíquica. Lendo esse artigo de Winnicott, chama-nos a atenção sua sensibilidade ao ritmo da criança, procurando respeitar seu tempo individual. As sessões analíticas também devem seguir esses três tempos, para que possa ocorrer uma experiência significativa.

A teoria do brincar desenvolvida por Winnicott (1975) parte da consideração de que a brincadeira é primária, e não produto da sublimação dos instintos. É uma forma básica de viver, universal e própria da saúde, que facilita o crescimento e conduz aos relacionamentos grupais. O brincar surge no contexto da relação mãe-bebê, a qual segue uma seqüência no processo de desenvolvimento. Inicialmente, a mãe é percebida como um objeto subjetivo, isto é, criado pelo bebê. A mãe, sensível e orientada para as necessidades de seu filho, torna concreto o que ele está pronto para encontrar, possibilitando a experiência da ilusão e de controle onipotente sobre o mundo. Em um segundo estágio, o interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a experiência de controle de objetos reais cria um espaço potencial entre a mãe e o bebê, no qual a brincadeira começa. Um estágio a mais, e a criança é capaz de ficar sozinha na presença da mãe, brincando com base na suposição de que ela está disponível. Finalmente, abre-se o espaço para um brincar conjunto num relacionamento, em que a mãe introduz seu próprio brincar.

A brincadeira ocorre na área intermediária entre a realidade externa e a interna, ou pessoal, o que equivale a dizer que os objetos e fenômenos oriundos da realidade externa são usados a serviço de alguma mostra derivada da realidade interna (WINNICOTT, 1975).

Tenho em mente essas concepções de Winnicott sobre a teoria do brincar e seu valor na análise infantil, em minhas reflexões sobre o material clínico que exponho neste artigo.

 

Metodologia

Este artigo baseia-se no estudo do caso de uma criança de 6 anos de idade, a quem denominei de Mariana. Os dados apresentados foram obtidos em sessões de atendimento psicanalítico da criança, realizadas duas vezes por semana, com duração de 50 minutos cada uma. O processo psicoterapêutico de Mariana compreendia tanto as sessões com ela, como entrevistas com seus pais, realizadas uma vez a cada dois meses, aproximadamente. A forma de análise das sessões seguiu o método clínico, buscando-se uma compreensão psicanalítica do material apresentado.

 

Discussão de resultados

A psicoterapia com Mariana durou aproximadamente dois anos, durante os quais suas vivências emocionais nas sessões analíticas seguiram caminhos ligados à sua história. Logo após seu nascimento, sua mãe apresentou uma intensa depressão pós-parto, o que lhe acarretou uma indisponibilidade afetiva para receber e acolher a filha, e realizar sobre ela o investimento libidinal tão necessário para o desenvolvimento de seu narcisismo. A mãe relatou que, na época, “não podia olhar para os olhos da filha” enquanto a amamentava. Tinha “pouco leite” e por esse motivo o desmame definitivo ocorreu aos 3 meses de idade. Em virtude das dificuldades da mãe no tocante à maternidade, ela optou por não mais engravidar, ficando Mariana sua única filha.

A indisponibilidade materna persistiu ao longo do crescimento de Mariana. A mãe escolhia para a filha o estudo no período que não coincidia com seu horário de trabalho: durante as manhãs, a mãe trabalhava; à tarde, Mariana ia à escola. A mãe argumentava que “precisava ter um tempo para si, sozinha e sossegada”. Na verdade, a mãe de Mariana passava as tardes na casa da própria mãe, necessitando preservar seu lugar de “filha cuidada” e o apego infantil à própria mãe. Era como filha que ela se via, e não como mãe. Dava a Mariana muitos presentes, porém sentia-se incapaz de se oferecer como um lugar de acolhimento e continência: as freqüentes demandas da filha por sua companhia, atenção e presença a esgotavam e a angustiavam. O pai supria em parte a falta materna, porém Mariana não se sentia saciada com seu oferecimento, e buscava acima de tudo a companhia e o afeto da mãe.

Após algum tempo de análise, Mariana começou a revelar sua “fome afetiva”: pediame balas e chicletes ou “qualquer coisa doce”. Perguntou se eu podia trazer-lhe farinha e uma mamadeira, e assim iniciou uma longa série de sessões em que preparava inúmeras mamadeiras “de leite” (farinha misturada com água) e comidinhas que eram guardadas na geladeira do consultório e procuradas em cada sessão subseqüente. Em uma das sessões, o número de recipientes parecia não ser suficiente. Foi preciso, então, encontrar, no consultório 2, garrafas para que ela as enchesse do “leite” preparado e pudesse “estocá-las”. Mariana expressava assim sua demanda de amor, afeto, carinho, atenção, representada concretamente na “comida”. Afinal, é pela oferta de alimento e cuidados físicos que a mãe, inicialmente, demonstra seu amor pelo filho. O vazio e o sentimento de falta deixados pela ausência de uma relação com a mãe que provesse as necessidades de Mariana (de afeto, continência, investimento narcísico, olhar de reconhecimento de sua subjetividade) apareciam sob a forma de um “buraco” enorme e de uma carência permanente, que a levavam a desejar constantemente “coisas”: seus pedidos aos pais por brinquedos e doces eram inúmeros. A falta das provisões necessárias para seu desenvolvimento exacerbou enormemente sua voracidade.

Considerada como um sintoma anti-social muito comum, a voracidade relaciona-se, para Winnicott (1982e), com o complexo de privação. Na criança voraz existe algum grau de privação e uma certa compulsão ligada à busca de uma terapia no meio ambiente para esta privação. O sintoma da voracidade indica que houve uma falha inicial de adaptação às necessidades de ego do bebê ou, como dizia Winnicott, houve um “fracasso do amor materno”.

Esse fracasso ou deficiência original gera um sentimento de falta relacionado ao que Balint (1993) denominou de falha básica. Trata-se, segundo esse autor, de uma área da mente cuja origem se situa em uma discrepância, nas fases formativas precoces do indivíduo, entre suas necessidades biopsicológicas e o cuidado material e psicológico, juntamente com a afeição disponível em momentos importantes. Para Balint, uma falha básica talvez possa apenas ser preenchida desde que os ingredientes que estejam faltando possam ser encontrados e, mesmo assim, apenas em quantidade suficiente para preencher o defeito, e poder cicatrizá-lo. Surpreendi-me com a capacidade de Mariana de me mostrar os “ingredientes” de que ela necessitava.

Com o prosseguimento da análise, Mariana passou a solicitar da mãe não mais coisas concretas, mas apelava por sua presença: ligava para seu trabalho, dizendo “estar com saudades” e pedindo que ela viesse para casa. Quando a mãe estava em casa, pedia seu colo. Ela já sabia do que realmente sentia falta. A mãe me telefonou para relatar esses fatos: estava muito angustiada, não sabia o que fazer e estava se sentindo “sugada” e esgotada. As solicitações de Mariana a apavoravam, ela não se sentia capaz de se oferecer plenamente a ela.

Surgiu então um novo pedido à mãe: ela queria um irmão. A mãe se negou a atendê- la, afirmando que não tinha recursos para criar outro filho – de fato não tinha, mas os recursos que lhe faltavam eram internos. Mariana insistia, implorava. Nas sessões, contou sobre bonecas que queria ganhar. Disse-lhe que a boneca que ela mais queria era um irmãozinho. Então ela me contou estar indignada, pois a mãe de sua melhor amiga estava grávida. A amiga, e não ela, ia ganhar dos pais o “presente” que ela mais queria no momento. Conversamos sobre isso e sobre sua impotência diante do fato, já que essa era uma decisão que somente seus pais podiam tomar. Não atendida em seu pedido por um irmão, passou a solicitar dos pais um cachorrinho. Queria um “companheiro” com quem pudesse se ligar e experimentar uma intensa sensação de proximidade. Sonhava com um cachorrinho que dormiria com ela e a seguiria por toda parte. Mariana sentia um empobrecimento de vínculos afetivos significativos e estáveis. Sentia-se carente também quanto a esse aspecto. Pedia à mãe que ampliasse seu mundo de relações afetivas, para que ela pudesse se enriquecer com ele. Eram inúmeras suas faltas, mas ela estava solicitando o que necessitava para supri-las.

Meu trabalho com Mariana foi marcado, do início ao fim do processo, por uma característica importante: a necessidade que ela tinha de que eu me oferecesse da forma mais disponível que me era possível. Essa disponibilidade se fazia pela minha atenção a ela, minha aceitação em atender a maior parte de seus pedidos, a possibilidade de brincar o tempo todo com ela e de tentar até “adivinhar” o que ela queria. Por exemplo, Mariana jamais brincava sozinha, não aceitava que eu apenas a observasse. Se eu esperasse para ver o que ela queria que eu fizesse, ela dizia: “vem brincar comigo, sua folgada!”. Ela me queria “trabalhando” para ela, encarregando-me dela e de suas necessidades em tempo integral. Quando ela ia ao banheiro pegar água ou lavar algo, queria que eu a acompanhasse. Ela parecia me levar a fazer uma adaptação quase completa às suas necessidades.

As brincadeiras que desenvolvíamos na sessão tinham importante significação e eram muito terapêuticas, gerando modificações em seu mundo mental. Geralmente, as sessões compreendiam pouquíssimas interpretações, pois Mariana as recusava, interrompendo-me constantemente quando eu procurava mostrar-lhe o sentido de suas brincadeiras. Como ilustração, relatarei em seguida uma sessão de análise com Mariana.

Mariana entrou na sala de atendimento e pediu-me que fôssemos à cozinha para buscar as “mamadeiras” que haviam sido guardadas na geladeira desde a última sessão. De volta à sala de atendimento, ela foi distribuindo o “leite” (farinha misturada com água) em pequenos potinhos. Pediu-me que fizéssemos de conta que estávamos bebendo o leite. Enquanto eu entrava na brincadeira por ela proposta, disse-lhe: “Que leite gostoso! Que bom quando a gente tem um leitinho bom para tomar, o que faz a gente se sentir bem cuidada, não é?”. Eu notava que Mariana representava, nessa atividade, a situação de amamentação e a gratificação oral e afetiva obtida pelo relacionamento mãe-bebê.

Logo em seguida, ela colocou em meu colo uma bonequinha e pediu-me que desse o leite à boneca. Comecei a dizer-lhe: “Essa bonequinha quer mamar...”. Mariana me interrompeu. Não queria que eu falasse, percebi que desejava que eu apenas “representasse” uma mãe dando de mamar à filha. Atendi seu desejo e, após algum tempo, pediume a boneca para que ela mesma lhe desse o leite.

Terminada a atividade, quis que eu a ajudasse a guardar o “leite” nas garrafas. Comentou que no final da sessão as colocaríamos novamente na geladeira.

Propôs então uma brincadeira de esconde-esconde. Mudou um pouco os móveis de lugar, afim de colocá-los no centro da sala. Deveríamos apagar a luz, nos esconder e, no escuro, andarmos agachadas por trás dos móveis até nos encontrarmos. Começamos a brincar. Nos momentos em que nos encontrávamos, Mariana queria que “comemorássemos”, batendo palmas e dizendo: viva! Comentei com ela sobre a felicidade que sentimos quando reencontramos alguém de quem gostamos. Terminada a sessão, Mariana ajudou-me a colocar os móveis no lugar, e percebi que saiu muito satisfeita. Ao contrário do que sempre costumava acontecer, ela saiu sem reclamar e se queixar pelo término da sessão.

Nessa sessão descrita, Mariana, inicialmente, expressou estar insatisfeita quanto às suas necessidades orais e afetivas. Ao pedir-me que “amamentasse” a bonequinha, ela se identificava com a boneca, isto é, com um bebê que recebe o afeto e os cuidados maternos enquanto é amamentado. O fato de não querer que eu falasse pareceu-me significar o desejo de que aquele momento não fosse “quebrado”, preservando seu encanto e a gratificação que, simbolicamente, estava sendo alcançada. Mariana necessitava de que tudo ocorresse como uma representação, como faz-de-conta. Ao sentir-se satisfeita, cuidada e atendida, pelos meus cuidados à boneca, passou a se identificar com a mãe que amamenta. Ou seja, ao sentir-se gratificada, “repleta”, identificou-se introjetivamente com o objeto bom, a mãe amorosa. Esse fato significou um importante passo dentro da sessão. Mariana demonstrou sempre muitas dificuldades relacionadas à elaboração da posição depressiva (Klein, 1981; Winnicott, 1982c). A sensação de não ter preservado dentro de si o bom objeto foi causa de freqüentes angústias por ela apresentadas. Na seqüência da sessão, o desejo de guardar o leite, isto é, o bom objeto, expressava essa necessidade psíquica.

A brincadeira de esconde-esconde, no final da sessão, significou a tentativa de elaboração das angústias relacionadas à posição depressiva. Na atividade, Mariana representava a perda-reeencontro do objeto e, por meio dela, o estabelecimento no mundo interno do bom objeto ia podendo se realizar. A comemoração quando nos reencontrávamos expressava a alegria pela verificação de que o objeto não havia desaparecido. Era interessante observar que esses processos psíquicos iam sendo realizados, na sessão, pelas brincadeiras. Praticamente sem interpretações, a sessão possibilitou algumas elaborações psíquicas por intermédio das atividades que foram realizadas. O fato de ter aceitado com mais tranqüilidade o término da sessão, ao contrário do que costumava acontecer, confirmava o fato de que o gradual estabelecimento no mundo interno do bom objeto ia ajudando Mariana a enfrentar a dor da separação.

Para que todos esses processos pudessem se realizar, eu precisava me apresentar para Mariana como um objeto essencialmente disponível a ela. Era necessário que eu entrasse com grande envolvimento nas brincadeiras, que desempenhasse os papéis por ela propostos, e me apresentasse como um objeto para ser “usado” (WINNICOTT, 1975) da maneira como ela necessitava. Era interessante observar sua sensibilidade à minha disponibilidade/ indisponibilidade: em algumas sessões, em que me encontrava mais cansada, ou mais impaciente, Mariana me agrediu muito.

Foram em alguns desses momentos que lembrei quando Winnicott (1982d) afirmou que os fracassos do analista vão ser utilizados pelo paciente, a fim de que ele possa se zangar. Será diante dos limitados sucessos de adaptação do analista que o ego do paciente se tornará capaz de começar a recordar os fracassos originais – que tiveram um efeito disruptivo na época – e passar a sentir raiva deles. Somente nesse ponto pode ter início o teste de realidade.

Nesse mesmo trabalho, Winnicott salientou que, quando não houve, no início, um cuidado materno suficientemente bom, não será possível o estabelecimento de um ego intacto, e nesses casos o setting na análise, isto é, a soma de todos os detalhes do manejo, se torna mais importante do que o trabalho interpretativo.

A necessidade imperiosa que Mariana tinha de viver comigo uma relação que pudesse se contrapôr àquela marcada pela indisponibilidade materna me fez compreender que com ela a “vivência” foi sempre a parte mais relevante de todo o processo. Mais do que de interpretações – às quais Mariana, normalmente, reagia com desagrado – ela necessitava de que eu me oferecesse com uma “fartura de presença” e que eu brincasse intensamente com ela. Prepararmos as mamadeiras, fazermos juntas as comidinhas, iam dando, claramente, a ela a sensação de estar sendo “alimentada” por uma relação calorosa e afetiva. Guardarmos, na minha geladeira, os alimentos preparados em cada sessão parecia ajudá-la a internalizar uma relação de continência, em que existia um espaço de acolhimento de seus conteúdos, podendo ser preservada a sensação de ser “alimentada”. Ao mesmo tempo, nossa relação também era alimentada, tornando-se cada vez mais próxima e afetiva. Percebi muito claramente como todas essas “brincadeiras” eram gratificantes e terapêuticas, indispensáveis para que pudesse ocorrer um trabalho psicanalítico significativo e transformador.

O trabalho clínico que foi empreendido permitiu-me verificar que, neste caso, a experiência do brincar conjunto entre paciente e analista consistiu em uma forma privilegiada de aproximação e comunicação com o mundo mental da criança. As vivências transformadoras que puderam ocorrer surgiram por meio das brincadeiras que foram desenvolvidas nas sessões psicoterapêuticas e no manejo das situações criadas dentro do espaço potencial no qual o brincar aconteceu.

 

Conclusões

Quando pensamos no brincar como um instrumento valioso para o trabalho analítico, sabemos que estamos tratando de uma atividade que ocorre na área que foi denominada por Winnicott (1982b) de transicional. O espaço transicional, intermediário entre o interno e o externo, é uma área de experimentação, em que a realidade exterior, juntamente com o mundo interno, é de vital importância. É, portanto, a possibilidade de “uso” do objeto real, de acordo com as próprias necessidades, uma característica fundamental da experiência analítica. Com Mariana, isso se mostrou evidente. A possibilidade de viver uma experiência na “realidade” pareceu o fator verdadeiramente terapêutico e mutativo em seu processo. O trabalho analítico se centrava menos sobre a análise de suas fantasias, desejos e vivências imaginárias, para tornar-se a experiência com um objeto real que lhe permitia viver experiências reais. Configurou-se uma situação que promoveu o encontro com um objeto que se apresentou diferentemente do objeto frustrante original, permitindo que se constituísse uma “lição de objeto” (SAFRA, 1995), isto é, um encontro com um objeto capaz de reorganizar, simbolicamente, a vida psíquica do indivíduo.

 

Referências

BALINT, M. A falha básica: aspectos terapêuticos da regressão. Tradução F. F. Settineri. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

FERRO, A. A técnica na Psicanálise infantil. Tradução Mercia Justum. Rio de Janeiro: Imago, 1995.

KLEIN, M. Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos. In: Klein, M. Contribuições à Psicanálise. Tradução M. Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1981, p. 354-389-

SAFRA,G. Momentos mutativos em Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1995.

WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Tradução José Otavio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

_____. A observação de bebês em uma situação estabelecida. In: D. W. Winnicott, D. W. Textos selecionados: da Pediatria à Psicanálise. Tradução Jane Russo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982a, p. 139-164.

WINNICOTT, D. W. Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In: Winnicott, D. W. Textos selecionados: da Pediatria à Psicanálise. Tradução Jane Russo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982b, p. 385-408.

_____. A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal. In: Winnicott, D. W. Textos selecionados:da Pediatria à Psicanálise. Tradução Jane Russo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982c, p. 437-458.

_____. Variedades clínicas da transferência. In: Winnicott, D. W. Textos selecionados: da Pediatria à psicanálise. Tradução Jane Russo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982d, p. 483-489.

_____. A tendência anti-social. In: D. W.Winnicott, D. W. Textos selecionados: da Pediatria à Psicanálise. Tradução Jane Russo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, p.499-511, 1982e.

 

As 5 fases do desenvolvimento psicossexual segundo Freud

O que é desenvolvimento psicossexual para Freud?

teoria do desenvolvimento psicossexual foi proposta pelo famoso psicanalista Sigmund Freud e descreveu como a personalidade era desenvolvida ao longo da infância. Embora a teoria seja bem conhecida na psicologia, é também uma das mais controversas.

Então como é que esta teoria psicossexual funciona? Freud acreditava que a personalidade era desenvolvida através de uma série de estágios de infância em que as energias da busca do prazer do ID tornam-se focadas em determinadas áreas erógenas. Esta energia psicossexual, ou libido , foi descrita como a força motriz por trás do comportamento.

Vídeos explicando o Desenvolvimento da Personalidade na Teoria Freudiana:

A teoria psicanalítica sugeriu que a personalidade é mais estabelecida aos cinco anos de idade. As primeiras experiências desempenham um grande papel no desenvolvimento da personalidade e continuam a influenciar o comportamento mais tarde na vida.

Então o que acontece durante cada estágio de desenvolvimento psicossexual? E se uma pessoa não consegue progredir através de um estágio completamente ou favoravelmente? Se essas etapas psicossexuais são concluídas com êxito, uma personalidade saudável é o resultado. Se certas questões não são resolvidas na fase adequada, fixações podem ocorrer. A fixação é um foco persistente em um estágio psicossexual. Até que este conflito seja resolvido, o indivíduo mantém-se “preso” nesta fase. Por exemplo, uma pessoa que está fixada na fase oral pode ser mais dependente dos outros e pode buscar estimulação oral através de fumar, beber ou comer.

As 5 fases do desenvolvimento psicossexual para Freud

1 –  O Estágio Oral

  • Faixa etária: Nascimento – 1 Ano
  • Zona erógena: Boca

Durante o estágio oral, a fonte primária de interação do lactente ocorre através da boca, de modo que o enraizamento e reflexo de sucção é especialmente importante. A boca é vital para comer e a criança obtém prazer da estimulação oral por meio de atividades gratificantes, como degustar e chupar. A criança é totalmente dependente de cuidadores (que são responsáveis pela alimentação dela), e também desenvolve um sentimento de confiança e conforto através desta estimulação oral.

O conflito principal nesta fase é o processo de desmame – a criança deve tornar-se menos dependente de cuidadores. Se ocorrer a fixação nesta fase, Freud acreditava que o indivíduo teria problemas com dependência ou agressão. Fixação oral pode resultar em problemas com a bebida, comer, fumar ou roer as unhas.

→ O hábito de morder objetos e a Fixação oral na Psicologia

→ Odaxelagnia, a vontade de morder pessoas

2 – Estágio Anal

  • Faixa Etária: 1 a 3 anos
  • Zona erógena: Entranhas e controle da bexiga

Durante a fase anal, Freud acreditava que o foco principal da libido estava no controle da bexiga e evacuações. O grande conflito nesta fase é o treinamento do toalete – a criança tem de aprender a controlar suas necessidades corporais. Desenvolver esse controle leva a um sentimento de realização e independência.

De acordo com Freud, o sucesso nesta fase é dependente da maneira com que os pais se aproximam no treinamento do toalete. Os pais que utilizam elogios e recompensas para usar o banheiro no momento oportuno incentivam resultados positivos e ajudam as crianças a se sentir capazes e produtivas. Freud acreditava que experiências positivas durante este estágio servem de base para que as pessoas tornem-se adultos competentes, produtivos e criativos.

No entanto, nem todos os pais fornecem o apoio e encorajamento que as crianças precisam durante este estágio. Alguns pais vão punir com ridicularização ou vergonha os acidentes das crianças.

De acordo com Freud, as respostas parentais inadequadas podem resultar em resultados negativos. Se os pais levam uma abordagem que é muito branda, Freud sugeriu que poderia se desenvolver uma personalidade anal-expulsiva, em que o indivíduo tem uma personalidade confusa ou destrutiva. Se os pais são muito rigorosos ou começam o treinamento do toalete muito cedo, Freud acreditava que uma personalidade anal-retentiva se desenvolveria, na qual o indivíduo é rigoroso, ordenado, rígido e obsessivo.

3 – A fase fálica

  1. Faixa etária: 3 a 6 anos
  2. Zona erógena: Genitais

Durante a fase fálica, o foco principal da libido é sobre os órgãos genitais. Nessa idade, as crianças também começam a descobrir as diferenças entre machos e fêmeas.

Freud também acreditava que os meninos começam a ver seus pais como rivais pelo afeto da mãe. O complexo de Édipo descreve esses sentimentos de querer possuir a mãe e o desejo de substituir o pai. No entanto, a criança também teme ser punida pelo pai por estes sentimentos, um medo que Freud denominou de angústia de castração.

O termo complexo de Electra tem sido usado para descrever um conjunto semelhante de sentimentos vivenciados pelas jovens. Freud, no entanto, acredita que as meninas, em vez disso experimentam inveja do pênis.

Eventualmente, a criança começa a se identificar com o genitor do mesmo sexo como um meio de vicariamente possuir o outro progenitor. Para as meninas, no entanto, Freud acreditava que a inveja do pênis não foi totalmente resolvida e que todas as mulheres continuam a ser um pouco fixadas neste estágio. Psicólogos como Karen Horney contestam esta teoria, chamando-a de um tanto imprecisa e degradante para as mulheres. Em vez disso, Horney propôs que os homens experimentam sentimentos de inferioridade porque eles não podem dar a luz à filhos, um conceito à que ela se referiu como inveja do útero.

4 – O período de latência

  • Faixa etária: 6 anos – puberdade
  • Zona erógena: sentimentos sexuais são inativos

Durante o período de latência, os  interesses da libido são suprimidos. O desenvolvimento do ego e superego contribuem para este período de calma. O estágio começa na época em que as crianças entram na escola e tornam-se mais preocupadas com as relações entre colegas, hobbies e outros interesses.

O período de latência é um tempo de exploração em que a energia sexual ainda está presente, mas é direcionada para outras áreas, como atividades intelectuais e interações sociais. Esta etapa é importante para o desenvolvimento de habilidades sociais e de comunicação e autoconfiança.

5 – O Estágio Genital

  • Faixa etária: Puberdade à Morte
  • Zona erógena: Amadurecendo de Interesses Sexuais

Durante a fase final de desenvolvimento psicossexual, o indivíduo desenvolve um forte interesse sexual no sexo oposto. Esta fase começa durante a puberdade, mas passa por todo o resto da vida de uma pessoa.

Em fases anteriores, o foco foi exclusivamente nas necessidades individuais, porém o interesse pelo bem estar dos outros cresce durante esta fase. Se as outras etapas foram concluídas com êxito, o indivíduo deve agora ser bem equilibrado, tenro e carinhoso. O objetivo desta etapa é estabelecer um equilíbrio entre as diversas áreas da vida.

Avaliando a Teoria dos estágios de desenvolvimento psicossexual de Freud

A teoria de Freud ainda é considerada controversa hoje, mas imagine quão audaciosa parecia durante o final dos anos 1800 e início dos anos 1900. Tem havido um grande número de observações e críticas da teoria psicossexual de Freud sobre uma série de motivos, incluindo críticas científicas e feministas:

  • A teoria é focada quase exclusivamente no desenvolvimento do sexo masculino com pouca menção do desenvolvimento psicossexual feminino.
  • Suas teorias são difíceis de testar cientificamente. Conceitos como a libido são impossíveis de medir, e, portanto, não podem ser testados.
  • Previsões futuras são demasiado vagas. Como podemos saber que um comportamento atual foi causado especificamente por uma experiência de infância? O período de tempo entre a causa e o efeito é demasiado longo para assumir que existe uma relação entre as duas variáveis.
  • A teoria de Freud é baseada em estudos de caso e pesquisa não empírica. Além disso, Freud baseou sua teoria sobre as lembranças de seus pacientes adultos, não em observação real e estudo dos filhos.

Revisão e resumo rápido dos estágios de desenvolvimento psicossexual de Freud

O resumo abaixo oferece uma breve visão geral desses estágios de desenvolvimento psicossexual , os níveis etários aproximados para cada etapa e o conflito primário confrontado em cada etapa.

Fase oral (nascimento até 1 ano)

Interação primária de uma criança com o mundo é através da boca. A boca é vital para comer, e a criança obtém prazer da estimulação oral por meio de atividades gratificantes, como degustar e chupar. Se esta necessidade não é satisfeita, a criança pode desenvolver uma fixação oral mais tarde na vida, cujos exemplos incluem chupar o dedo, tabagismo, roer unha e comer demais.

Fase Anal (1 a 3 anos)

Freud acreditava que o foco principal da libido estava no controle da bexiga e evacuações. O aprendizado do uso do banheiro é uma questão primordial com as crianças e os pais. Demasiada pressão pode resultar em uma necessidade excessiva para a ordem ou a limpeza mais tarde na vida, enquanto que muito pouca pressão dos pais pode levar a um comportamento confuso ou destrutivo mais tarde.

Fase fálica (3 a 6 anos)

Freud sugeriu que o foco principal da energia do id é sobre os órgãos genitais. De acordo com Freud, a experiência do menino é uma experiência de Complexo de Édipo e da menina é Complexo de Electra, ou uma atração para o pai do sexo oposto. Para lidar com este conflito, as crianças adotam os valores e as características do pai do mesmo sexo, formando assim o superego.

Fase latente (6 a 11 anos)

Durante esta fase, o superego continua a se desenvolver, enquanto as energias do id são suprimidas. As crianças desenvolvem habilidades sociais, valores e relacionamentos com colegas e adultos fora da família.

Estágio Genital (11 a 18 anos)

O início da puberdade faz com que a libido se torne ativa novamente. Durante esta fase, as pessoas desenvolvem um forte interesse no sexo oposto. Se o desenvolvimento é bem sucedido neste ponto, o indivíduo irá continuar a evoluir para uma pessoa bem equilibrada. ____________________________________________________________________________

 

 

Referências:

Fadiman, James & Frager, Robert (1976), Teorias da Personalidade, São Paulo, HARBRA, 1986

Freud, S. (1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (no original em alemão, Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie).

SCHULTZ, Duane P; SCHULTZ, Sidney Ellen. Teorias da personalidade4ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2002.

Por Kendra Cherry

 

Resumo: O presente artigo é resultado de uma revisão da literatura acerca da psicanálise de crianças e das principais psicopatologias desenvolvidas durante esta fase da vida. Além de esclarecer um pouco da psicanálise de crianças, trata-se também de desmistificar o ideário popular de que as crianças não têm uma estrutura psíquica inconsciente, a importância do brincar na clínica psicanalítica como recurso terapêutico importante para o processo de análise, bem como o papel do Psicólogo frente a essa questão e conhecer as formas como essa estrutura se manifesta além do surgimento de psicopatologias na infância até o seu processo de análise. 
Palavra-Chave: 
brincar, infância, psicopatologia

Introdução

A infância é a fase onde o individuo acumula vivências e experiências que lhe servirão de base na construção da sua subjetividade, desse modo, também é neste período que o individuo começa a estruturar a sua personalidade. Sabe-se que alguns transtornos podem prejudicar esse processo, entre os transtornos mais comuns na infância estão os de ansiedade, de humor, de déficit de atenção e hiperatividade e os globais do desenvolvimento, como o autismo.

Quando o psicanalista propõe uma sessão analítica aproximada do brincar, feita em um ambiente de confiança e relaxamento e que visa à descoberta e construção do eu, ele faz isto de um modo que sustenta certa posição sobre a psicopatologia. Estamos diante de uma visão radical que entende que todos nós estamos imersos na psicopatologia e na saúde ao mesmo tempo, onde Winnicott nos esclarece que “é importante para nós não encontrarmos clinicamente qualquer linha nítida entre a saúde e o estado esquizóide ou mesmo entre a saúde e a esquizofrenia plenamente desenvolvida”. (WINNICOTT, 1975, p.96).

É importante ressaltar que fazendo uma revisão da literatura acerca do tema, percebemos que as teorias sobre o complexo de Édipo, tanto em Freud, Klein, Winnicott e Lacan, apresentam a concepção de um sujeito marcado pelo universo da castração. É a partir da castração que a sexualidade infantil encontra um ponto de ordenação, e é essa ordenação que oferece condições de construção da identidade sexual.

Segundo Freud, 1905, p.161 "(...) apenas impulsos sexuais impregnados de desejo oriundos da infância, que experimentaram repressão (...) durante o período de desenvolvimento infantil, são capazes de ser revividos durante períodos de desenvolvimento posteriores (...) e acham-se assim aptos a fornecer a força motivadora para a formação de sintomas (...).” O infantil é o que fica sob a barra da censura, e esse infantil não é senão o sexual, para Freud sempre traumático. O sintoma aparece no lugar do trauma sexual, e nisso as articulações iniciais de Lacan não fazem senão retomar Freud.

A partir do Complexo de Édipo, e da forma como o sujeito lida com a castração é que vai constituir as estruturas, a saber, neurótica, psicótica ou perversa e a partir delas é que podem surgir psicopatologias ou não, as mais diversas.

A Psicanálise de Crianças

Ao pesquisarmos sobre psicanálise de crianças sempre encontramos o nome de Hermine Von Hug-Hellmuth, pois lhe é atribuído o mérito de ser a primeira psicanalista de crianças. Hellmuth, 1921, apud, Avellar, pag. 28, “reconhece a importância da comunicação da criança na primeira sessão, considerando que esta comunicação contém o complexo nuclear da neurose infantil. Valoriza a utilização do brincar e da ação simbólica como forma de permitir o desvelamento dos sintomas e da problemática da criança”.

Logo após Hug-Hellmuth, Melanie klein e Anna Freud também passaram a estudar o tema e a utilizar em sua prática clínica. Melanie Klein, por exemplo, analisava seus filhos observando-os brincar. Para Klein, apud, Roza, 1993, a problemática da criança não é algo que depende das suas relações com o ambiente, mas é o produto da sua própria constituição interna. Anna Freud, apud, Roza, 1993 fez várias críticas ao método utilizado por Klein, discordando disso e pontuando que na clínica psicanalítica, o brincar não poderia ser usado como método de associação livre, pois o psiquismo das crianças é diferente dos adultos. Também questionou o papel do analista, dizendo que se este parasse para observar as crianças brincando, fugiria às regras técnicas da psicanálise deixadas por seu pai, Sigmund Freud. Para Anna Freud, o papel do analista seria confundido com o de pedagogo ou professor, confundiria ainda o papel da escuta com o da disciplina.

Para Winnicott, o brincar é universal, uma forma básica de viver, e é somente no brincar que o indivíduo pode ser criativo. O referido autor nos diz que “viver criativamente constitui um estado saudável, e a submissão é uma base doentia para a vida” (WINNICOTT, 1975, p. 95).

A forma como Winnicott concebe o brincar tem a ver com dois tempos. No primeiro tempo, o bebê e o objeto estão juntos. A visão do objeto que o bebê tem é subjetiva. A mãe suficientemente boa se orienta para concretizar aquilo que o bebê busca, a isto, Winnicott chama de criatividade primária, que só é possível mediante uma ação de muito amor da mãe na direção de seu bebê, uma ação que só aos poucos se desfaz.

No segundo tempo, o objeto é ignorado como não-eu, aceito de novo e objetivamente percebido. Neste tempo, a mãe devolve ao bebê o objeto que ele ignorou. A mãe oscila entre ser o que o bebê busca e ser ela própria, aguardando ser encontrada. Se a mãe tem sucesso no exercício destes papéis, então o bebê vive a experiência da onipotência, o que o prepara para a futura desilusão necessária. Quando a mãe tem uma relação de sintonia inicial com o bebê, estabelece-se um ambiente de confiança e o bebê brincacom a realidade.

Segundo Lacan, 1998, o inconsciente se estrutura como uma linguagem. Partindo desse ponto de vista, surge uma dúvida: como é possível fazer análise de criança se estas não conseguem verbalizar e fazer associações livres? Mas esta não é questão de embaraço para os analistas de criança como Françoise Dolto e Maud Mannoni, que continuaram fazendo seus trabalhos com criança e obtendo resultados, F. Dolto, por exemplo vai nos comunicar que no universo humano tudo é linguagem.

Eliza Santa Roza, médica pediatra e psicanalista, pesquisou sobre o tema, e para melhor entender essa questão coloca que as crianças não falam como os adultos, tem no jogo a sua forma preferencial de interpretação do mundo e do outro (SANTA-ROZA, 1993), sendo que a prova disso é a constituição da neurose infantil, sendo este o signo e a forma de constituição do sujeito do inconsciente.

É característico do comportamento infantil o brincar, por isso a psicanálise infantil tem a proposta de deixar a criança livre para se expressar da maneira que lhe convém, e provavelmente a criança irá brincar. Mesmo que o consultório não tenha brinquedos, ela faz de tudo um brinquedo, dessa forma, começa a se expressar brincando, através do brincar a criança irá expressar suas fantasias reprimidas, seu inconsciente. E, quando o brincar se dá de forma bizarra ou ele não aparece é sinal de que há alguma psicopatologia grave.

A Estrutura Inconsciente da Criança

Sendo a infância uma fase de descobertas e aprendizados, a criança desde que nasce está em constante aprendizado e a principal referência são os cuidadores, em especial a mãe, no qual para o bebê nos primeiros meses de vida tem a mesma como parte de si. Ao longo do seu desenvolvimento e ao passar por alguns estágios, é que o bebê vai percebendo o mundo externo e aprendendo por meio de outras fontes, exploração de objetos e outras pessoas que agora são referências. Ao passar por essas etapas seu psiquismo vai sendo formado, e a maneira como ele apreende o que lhe é marcado é estruturante para a formação da sua personalidade.

A perspectiva psicanalítica de Freud surgiu no início do século XX, dando especial importância às forças inconscientes que motivam o comportamento humano. Freud, baseado na sua experiência clínica, acreditava que a fonte das perturbações emocionais residia nas experiências traumáticas reprimidas nos primeiros anos de vida. Acreditava também que a personalidade forma-se nos primeiros anos de vida, quando as crianças lidam com os conflitos entre os impulsos biológicos inatos, ligados às pulsões e às exigências da sociedade. Considerou que estes conflitos ocorrem em fases baseadas na maturação do desenvolvimento psicossexual. Acreditava que o fato das crianças receberem muita ou pouca gratificação em qualquer uma das fases do desenvolvimento psicossexual, pode levar ao risco de fixação, uma parada no desenvolvimento, e podem precisar de ajuda para ir além do tempo dessa fase. Acreditava ainda que as manifestações de fixações na infância emergiam em adulto.

A infância é a época da vida em que há a maior capacidade de recepção e reprodução, na qual é muito comum a presença da amnésia que, segundo a Psicanálise é um recalcamento, ou seja, envio de conteúdos conscientes, os quais nos trazem sofrimento para o inconsciente, a fim de proteger o nosso psiquismo. A amnésia, na maioria das pessoas, encobre os conteúdos sexuais até os seis ou oito anos de idade.

Antes de falar sobre o desenvolvimento psicossexual infantil, nos Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905, 2006), Freud nos aponta três conceitos básicos que serão discutidos na sequência deste trabalho: zonas erógenas, pulsões e libido.

Freud considerava as zonas erógenas como fontes das diversas pulsões parciais, órgãos produtores da libido como a boca, pele, movimento muscular, mucosa anal, pênis, clitóris, sendo que em cada idade predomina uma zona erógena específica. As pulsões são inatas (instinto) e consiste na estimulação e satisfação da zona erógena específica de cada fase.

A libido é segundo Freud, a energia dos instintos sexuais enquanto a fase libidinal é a organização do desejo sexual em uma zona erógena específica. De acordo com Freud, o desenvolvimento psicossexual infantil organiza-se da seguinte forma: Auto-erotismo, anterior ao narcisismo, caracteriza-se por ser o “instinto sexual mais primitivo”, ou seja, a ausência de objeto sexual exterior.

Sobre as fases do desenvolvimento psicossexual temos a fase oral que vai desde o nascimento até os 2 anos de idade. Nesse período, a zona de erotização é a boca e o prazer está ligado à ingestão de alimentos, estimulação e excitação da mucosa dos lábios e da cavidade bucal e tem como objetivo a incorporação do objeto;

A fase anal inicia-se por volta dos 18 meses, estando situada entre os dois e quatro anos. Como o próprio nome diz, a zona de erotização é o ânus. Nesta fase será desenvolvido o modo de relação do objeto: “ativo” e “passivo”, o que está intimamente ligado ao controle dos esfíncteres (anal e uretral). Para Freud a defecação oferece prazer erótico à criança.

A fase fálica surge por volta do quarto ou quinto ano de vida, quando o foco do prazer muda do ânus para os genitais. Há o surgimento de perguntas como “Por que eu tenho pênis e as meninas não?”. Freud se ocupou desde 1909 da cura de uma criança de cinco anos, o pequeno Hans, atingida por uma neurose fóbica, medo de cavalos. Desde lá, o tratamento analítico com crianças vem sofrendo mudanças. Infelizmente, porém, muitos se afastaram do sentido dado ao sintoma, preocupando-se apenas com o real dele, não observando os conteúdos emocionais da criança que estão presentes.

O período de latência não é uma fase psicossexual de desenvolvimento, o instinto sexual está adormecido, temporariamente sublimado em atividades escolares, hobbies e esportes e no desenvolvimento de amizades com pessoas do mesmo sexo. Então, ao realizar a avaliação e acompanhamento psicológico de uma criança é necessário mergulhar no universo do desenvolvimento infantil e do brincar, pois se tratam de dois processos indissociáveis para um desenvolvimento saudável.

Segundo Lacan, 1998, p. 100  a função do estádio do espelho é estabelecer uma relação do organismo com a realidade. O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação e que fabrica as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade. O eu constrói-se à imagem do semelhante e primeiramente da imagem que lhe é devolvida pelo espelho. O bebê olha para a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico. Lacan também enfatizou que o investimento da mãe, o olhar relacionado à imagem do filho que gostaria de ter, antecipa um sujeito que está por se constituir.

Por meio desse investimento externo sobre o psiquismo vai ocorrer um estado em que a criança investe toda sua libido em si mesma. A criança vai poder reconhecer-se. Lacan, 1976, diz que quando se constrói essa imagem de si mesmo, vai ser defendida como uma necessidade de satisfação narcísica, que se transformará na demanda de ser objeto do amor de um outro. O bebê antes do estádio do espelho se sente como um corpo fragmentado. Sua mãe faz parte dele e ela sente como se ele fosse parte dela. O bebê busca o prazer através do seio materno, porém só quando o bebê perde o objeto do seu desejo é que ele percebe que sua mãe não faz parte do seu corpo e não é completa. Esta perda vem através do significante do pai que são as leis e limitações naturais da vida.

A mãe primeiro satisfaz a criança com a amamentação e também pelos seus afetos, seus desejos, seus sintomas, que se estendem ao filho para serem simbolizados. Tudo isso que a mãe está propiciando ao bebê vai permitir sua sobrevivência psíquica. A mãe passa a lhe oferecer um olhar, palavras, toques carinhosos e isso vai construindo no bebê uma vida mental. Segundo Leda Bernardino, 2008, p.60 “ele vai estar vivendo experiências que tem significação, a partir do que o outro materno vai passando para ele como experiências boas ou ruins”.

O pai, enquanto função deve sustentar os atributos a ele conferidos pela mãe e se presentificar perante o filho para garantir a este a saída da totalidade materna. A função paterna possibilita a inserção do sujeito na cultura. Na ligação primeira com a mãe, o sujeito não se move para além daquele mundo mãe-bebê, onde o acolhimento e o vínculo instauram esta posição de um ser do outro, ou seja, um como extensão do outro:

“O pai priva alguém daquilo que, afinal de contas, ele não  tem, isto é, de algo que só tem existência na medida em  que se faz com que surja na existência como símbolo. O pai não castra a mãe de uma coisa que ela não tem. Para que fique postulado que ela não o tem, é preciso que isso de que se trata já esteja projetado no plano simbólico como símbolo. Mas há de fato uma privação, uma vez que toda privação real exige simbolização. Assim é o plano da privação da mãe que, num dado momento da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar, ele mesmo, de dar valor designificação a essa privação da qual a mãe-se objeto. ‘Essa privação, o sujeito infantil a assume ou não, aceita ou recusa’”. (Lacan, 1999, p 191, in Bernardino, 2008, pág. X)

É a partir dessa castração do pai, onde ele coloca a mãe no lugar de mulher e faz o filho perceber que ele não tem o falo (a mãe), é que a criança aceitando ou não essa condição, vai começar a se perceber como sujeito desejante e se estruturar enquanto sujeito. Portanto uma das principais contribuições da psicanálise é reconhecer a criança, desde a mais tenra idade, como um sujeito de si mesma, considerando aquele que se atende e/ou trata como sujeito de seus desejos inconscientes.

O Brincar na Clínica Psicanalítica

A criança, ao nascer, vem como um ser frágil, como um ser familiar, inédito. Dessa forma, há a necessidade da reorganização do tempo, do espaço, dos sentimentos e das expectativas. Então, de acordo com a hospitalidade recebida e com a relação desenvolvida entre o novo sujeito, a mãe e o pai (ou quem assuma a função dos cuidadores) estruturarão o psiquismo do sujeito.

Nos primeiros meses após o nascimento, a mãe (ou quem exerça a função materna), possui a função de ego auxiliar da criança. Dessa forma, o narcisismo deve ser alimentado pela mãe em relação ao bebê, pois tal investimento é fundamental para a construção de uma auto-imagem positiva. Além disso, é fundamental que a mãe e os demais cuidadores alimentem a questão narcísica não só através do amor, carinho e atenção destinadas à criança, mas também através da estimulação adequada e necessária para o desenvolvimento físico e psicossocial desse sujeito. Entretanto, para a estruturação do psiquismo neurótico, é imprescindível a frustração da questão narcísica no sentido de mostrar para a criança limites e o entendimento de que no mundo não deve imperar somente o seu desejo. Portanto, é através das frustrações que o sujeito irá aprender a canalizar os seus desejos, e assim, poderá desenvolver e vivenciar a ética em relação aos seus desejos e ao outro.

As brincadeiras oferecem uma maneira de entrar no universo infantil. Através do brincar, a criança acelera seu desenvolvimento. Através dessa atividade, ela aprende a fazer, a conviver e, sobretudo, aprende a ser. Além de instigar curiosidade, a autoconfiança e a autonomia, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção.

É importante esclarecer que brinquedo, brincadeira e jogo são termos que podem se confundir de acordo com o idioma utilizado. Em Português, brincar refere-se a uma atividade lúdica não estruturada. Segundo Vygotsky (1991), a brincadeira é uma situação imaginária criada pela criança e onde ela pode, no mundo da fantasia, satisfazer desejos até então impossíveis para a sua realidade. A brincadeira é simbólica, livre, não estruturada e tem um fim em si mesma, pois trata-se da brincadeira pelo prazer de brincar. Entretanto, todo tipo de brincadeira pode estar embutido de regras, pois a criança experimenta e assume as regras pré-estabelecidas e comportamentos baseados nas suas vivências. Dessa forma, o brincar favorece o desenvolvimento cognitivo, pois os processos de simbolização e representação levam ao pensamento abstrato.

O ato de brincar, além de proporcionar um melhor desenvolvimento, pode também incorporar valores morais e culturais, e assim, a criança será preparada para enfrentar o meio social.

É através das brincadeiras espontâneas que o ocorre o desenvolvimento da inteligência e das emoções, e assim, as crianças desenvolvem a sua individualidade, sociabilidade e vontades. A brincadeira é importante para incentivar não só imaginação e afeto nas crianças durante o seu desenvolvimento, mas também para auxiliar no desenvolvimento de competências cognitivas e sociais.

A participação nas brincadeiras em grupo também representa uma conquista cognitiva, emocional, moral e social para a criança e um estímulo para o desenvolvimento de seu raciocínio lógico. “A criança que brinca investiga e precisa ter uma experiência total que deve ser respeitada. Seu mundo é rico e está em contínua mudança, incluindo-se nele um intercâmbio permanente entre fantasia e realidade” (ABERASTURY, 1992. p. 55).

Através das brincadeiras em grupo, a criança aprende a conviver em grupo, desenvolve sentimentos de afetos, respeito. Segundo Melanie Klein (1997), ao brincar, a criança pode representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias e expressar seus conflitos inconscientes procurando superar experiências desagradáveis.

Os pais ou as pessoas que cuidam da criança têm fundamental influência no desenvolvimento dela, pois é durante muito tempo, o espelho da criança para que ela construa os seus recursos psíquicos para o enfrentamento da vida. Além disso, os cuidadores são os responsáveis por proporcionar a criança meios que estimulem o desenvolvimento da criança como um todo. Através do equilíbrio entre as relações de apego desenvolvidas com os pais e a resolução do Édipo a criança começa a construir a sua personalidade, que também sofre influência da cultura, da forma como a família e a sociedade tratam de forma diferenciada os sexos, os papéis sociais atribuídos.

Além dos fatores influenciadores já apresentados, é interessante explicitar que os irmãos e a convivência com outras crianças também influenciam no desenvolvimento psicossocial. A convivência com os irmãos pode influenciar de maneia positiva ou negativa, dependendo da postura dos pais diante dessa situação, principalmente no que diz respeito a “dividir o que têm” e ao ciúme. A convivência com outras crianças também se desenvolve nesse mesmo viés e também faz parte do mundo social da criança, até porque as crianças demonstram, principalmente após um ano de vida, interesse por pessoas que não são de dentro de casa, especialmente as do mesmo tamanho que elas.

O paciente traz para a sessão elementos de experiências oriundas da realidade socialmente sustentada e os usa como elementos de enriquecimento e transformação no campo transicional, com efeitos no mundo interno. A sessão sem que haja alucinação vira um espaço de passagem entre o mundo interno e o mundo externo, com duplo sentido, com potencial de criar ou recriar a transicionalidade infantil. Há interpretação dos fatos externos e internos e até uma manipulação deles a partir da experiência criada na sessão.

Em O brincar e a realidade, Winnicott fala de um paradoxo quanto trata de fenômenos transicionais e espaços potenciais. Ele apela contra o intelectualismo: “Minha contribuição é solicitar que o paradoxo seja aceito, tolerado e respeitado, e não que seja resolvido. Pela fuga para o funcionamento em nível puramente intelectual, é possível solucioná-lo, mas o preço disso é a perda do valor do próprio paradoxo. (WINNICOTT, 1975, p.10). Temos, portanto que “o brincar é essencial porque é através dele que se manifesta a criatividade” (Op. cit., p.80).

Em Lacan, o brincar é entendido como um ato, surgido como efeito da estruturação significante do Sujeito. O que importa é o brincar e não propriamente o brinquedo, pois o brincar faz a criança querer conhecer o outro.

Psicopatologias na Infância

Ao falar sobre psicopatologias é importante lembrar um pouco sobre os conceitos de normal e patológico. Essa é uma questão que preocupa mais aos filósofos do que os médicos, pois este último se preocupa mais em saber o que vai fazer por seu paciente sem saber se é normal ou patológico. No caso dos psiquiatras infantis, estes levam em consideração não só as queixas trazidas, mas, observam alguns aspectos na criança, antes de enquadrá-la em uma psicopatologia. Normal e patológico são termos indissociáveis, pois um não se define sem o outro. E, antes de dizer se algo é normal ou patológico é preciso observar vários aspectos da vida do sujeito, portanto não nos ateremos à questão do normal e do patológico.

A psicopatologia fundamental, conforme Fédida (1988) tem a ver com a descoberta de que nossa experiência psíquica é sempre sofrida. Tem a ver com a construção de uma visão singular desta dor de cada um, uma singularidade ligada à história do desejo e da frustração do desejo de cada um. Tem a ver com a aceitação criativa, não resignada, não submissa desta experiência de sofrimento e dor; está ligada à história de cada um que permite a fundação de si. A análise poderá ser um espaço de experiência e de criação de si, onde se aprende com a própria dor e se aprende a desistir de não sofrer.

Freud, desde cedo focou sua atenção no passado infantil de pacientes adultos neuróticos, pois a neurose de transferência está diretamente ligada à revivescência da neurose infantil e seu desenvolvimento caracteriza o desenrolar do tratamento. Na psicanálise a criança é o centro, mas é uma criança particular, pelo menos nos primeiros textos psicanalíticos, a criança pela qual a psicanálise se interessa é, em primeiro lugar, uma criança reconstruída, uma criança-modelo.

As principais psicopatologias da infância, como mencionadas no início do trabalho, são os transtornos de ansiedade, de humor, de déficit de atenção e hiperatividade e os globais do desenvolvimento, como o autismo e, alguns casos de psicoses graves.

A ansiedade constitui tanto em crianças como em adultos a porta de entrada para a maioria das condutas psicopatológicas. Na criança surgem as complexas relações entre ansiedade de separação, dita desenvolvimental e angústia de separação, dita patológica. As crianças ansiosas vivem permanentemente com um sentimento de apreensão, como se algo ruim fosse acontecer. Nas crianças pequenas até a puberdade a angústia de separação é a manifestação mais freqüente. Um exemplo de ansiedade fóbica é o Pequeno Hans. Essa angústia pode estagnar de acordo com o desenvolvimento da criança ou pode evoluir para fobias ou até mesmo para uma psicose.

A origem dos quadros de psicose infantil estaria na ocorrência de distorções no relacionamento mãe-bebê. Segundo Margareth Mahler (1983) parece haver crianças que devido a uma inerente fragilidade do ego desde o estágio de indiferenciação, tornam-se alienadas do meio ambiente. Essas seriam as crianças com “psicose autística infantil”, em que a mãe parece nunca ter sido percebida pela criança, nem como entidade emocionalmente significativa, nem como representante do não-eu.

A mãe deve funcionar como “ego-auxiliar” da criança. Quando a sustentação, conforme Winnicott, exercida pela mãe for bem sucedida, a criança a vive como uma “continuidade existencial”, no entanto, quando falha, o bebê terá uma experiência subjetiva de ameaça, que obstaculiza o desenvolvimento normal. A falta de holding adequado provoca uma alteração no desenvolvimento, cria-se uma casca (o falso self) em extensão da qual o indivíduo cresce, enquanto o núcleo (o verdadeiro self) permanece oculto e sem poder se desenvolver. O falso self surge pela incapacidade materna de interpretar as necessidades da criança. O desenvolvimento do falso self às custas do verdadeiro self, se relaciona a uma amplitude na escala de psicopatologia que irá desde sensações subjetivas de vazio, futilidade e irrealidade até tendências anti-sociais, psicopatia e psicoses.

Em 1970, Ajuriaguerra na 1ª edição do manual de psiquiatria infantil definiu a psicose infantil como um transtorno de personalidade dependente de um transtorno da organização de eu e da relação da criança com o meio ambiente, este trabalho sofreu revisões estando em sua 5ª edição e organização de Marcelli (1998), mas mantendo o principal da pesquisa e conceituações das edições anteriores.

Segundo Spackman (1998), as crianças com transtornos psiquiátricos apresentam vulnerabilidade no comportamento, afetividade e relacionamento interpessoal, estes aspectos devem ser vistos em primeiro lugar. O autismo é uma das formas mais comuns de psicose infantil e, traduz a incapacidade da criança em estabelecer um sistema adequado de comunicação com seu ambiente. Estas são descritas como calmas e felizes quando estão sós, não se manifestam, o olhar é vazio, ausente e é difícil fixar. Elas usam objetos como as pessoas, de maneira parcial, bizarra e não simbólica, em manifestações repetitivas. Ao longo de seu desenvolvimento muitas características vão surgindo, mas é necessário um acompanhamento terapêutico.

Contudo, analisando as patologias infantis e articulando à prática clínica de vários psicanalistas infantis percebemos que a psicanálise é uma teoria bem fundamentada para a análise de crianças, pois acompanha o desenvolvimento desta, chegando ao seu inconsciente através do brincar, pois brincando a criança projeta suas angústias e seu mundo psíquico na brincadeira, sendo possível o analista chegar ao inconsciente da criança.

Considerações Finais

Diante desta análise literária, percebemos que a psicanálise de criança sofreu muitas alterações desde a época de Freud até os dias atuais.  O brincar sempre foi o foco principal com este público, pois através dele a criança projeta seu mundo psíquico na brincadeira.

O setting terapêutico com crianças, principalmente em Winnicott é um espaço lúdico, de descoberta, de desfrute e acima de tudo prazeroso, tanto para o paciente como para o analista, onde este está ali junto à criança não para ela fazer associações livres verbais, pois em algumas vezes estas associações verbalizadas causam angústia na criança. Na brincadeira o analista está ali não como externo ao mundo do paciente, nem interno a ele, mas é um mediador para que a criança possa projetar na brincadeira sua patologia, seu mundo psíquico sem ter consciência total do que está acontecendo.

Contudo, ressaltamos a importância do brincar para as crianças, pois através dele ela ressignifica suas angústias. Na análise, o brincar criativo é uma possibilidade da criança diante de sua realidade, onde ela pode se reorganizar e perceber possibilidades diante da realidade vivida por ela.


Fonte: https://psicologado.com/abordagens/psicanalise/a-psicanalise-de-criancas-o-brincar-como-recurso-terapeutico © Psicologado.com

 

 

O nascimento da psicanálise de criança - uma história para contar

 

The birth of psychoanalysis to child - a story to tell

 

 

Maria do Carmo Camarotti

Mestra em Saúde Materno-Infantil. Professora no Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo faz uma volta no tempo, abordando histórias pessoais de pioneiros da psicanálise (Hermine von Hug-Hellmuth, Anna Freud, Melanie Klein), as quais se entrelaçam com a própria história da psicanálise. A partir desse resgate histórico e considerando as evoluções na prática clínica, são levantados questionamentos tais como: existência de uma psicanálise de adultos e de uma psicanálise de crianças; lugar dos pais na análise; limites entre pedagógico e psicanalítico; existência ou não de relação transferencial entre criança e analista.

Palavras-chave: Psicanálise, História, Transferência, Pais, Criança.


ABSTRACT

This paper proposes a turn back in time, addressing personal stories of the pioneers of psychoanalysis (Hermine von Hug-Hellmuth, Anna Freud, Melanie Klein), which are related with the history of psychoanalysis itself. From this historical point of view and considering developments in clinical practice, some questions are raised: existence of a psychoanalysis of adults and of a psychoanalysis of children; parent's place in the analysis of the child; limits between educational and psychoanalytic; existence or not of a transferential relationship between child and analyst.

Keywords: Psychoanalysis, History, Transference, Parents, Children.


 

 

"... Não se é impunemente filho de um grande homem, 
se já temos tanto trabalho para nos desfazermos de pais ordinários..."
 
(De Emma Jung para S. Freud)

Quando se pensa na história da psicanálise de criança, destacam-se os nomes de Anna Freud e Melanie Klein, já que Hermine von Hug-Hellmuth, pioneira da psicanálise infantil, continua sendo desconhecida. Seria esse silêncio em torno do seu nome consequência da sua trágica morte? Hug-Hellmuth foi assassinada em 1924 por seu sobrinho Rudolf, a quem educou seguindo os princípios da pedagogia e da psicanálise.

Mas, foi o inquieto e revolucionário Sigmund Freud quem deu os primeiros alicerces. Este artigo faz uma volta no tempo, abordando histórias pessoais de pioneiros da psicanálise que se entrelaçam com a história mesma da psicanálise.

A origem da psicanálise de criança está ligada à confluência pai-analista, situação que Freud considerava como ideal para se empreender a cura analítica de uma criança.

A psicanálise de criança nasceu de forma marginal e em busca de legitimidade e, por que não, de filiação? Deve-se ao fato de ter sido criação de duas mulheres, Anna Freud e Melanie Klein, ambas protagonizando uma rivalidade fraterna em busca de um lugar junto ao pai da psicanálise? Ou se deve ao fato de ter surgido em meio a segredos e de forma incestuosa, quando sabemos que Anna Freud foi analisada pelo pai, que Klein analisou o próprio filho, que Abraham analisou a sua filha Hilda, e Jung a sua "pequena Agathli"? Além de que a primeira análise infantil, a do "pequeno Hans", foi realizada pelo próprio pai, Max Graf.

Poderiam os primórdios da psicanálise de criança ser considerados como construção conjunta entre pais e filhos, já que foram as crianças que forneceram inocentemente material (sonhos, jogos, falas) aos seus pais, ávidos em transmitir suas observações a Freud? O mesmo Freud que disse a Emma Jung não ter tempo de analisar os sonhos dos seus filhos, pois precisava ganhar dinheiro para que esses continuassem a sonhar.

Retomando essa história, voltamos ao ano de 1906, Rua Bergasse, 19, nas conhecidas "sessões das quartas-feiras à noite". Homens sobriamente vestidos se dirigem à casa de Freud, compartilham de certa intimidade com o professor e são estimulados a falar das observações que fazem dos próprios filhos. Foi esse o modo encontrado por Freud para recolher material e provar que o funcionamento sexual começa no início da vida e se manifesta de várias formas. Esta sua afirmação provocou grande reação da sociedade vienense da época e precisava ser provada, não só pelo material reconstruído na análise de adultos, mas também pela observação direta das crianças.

Max Graf, que entrou na história da psicanálise como pai do "pequeno Hans", descreveu o clima das reuniões:

"Havia no consultório uma atmosfera de fundação de uma religião. Na cabeceira da mesa, Freud presidia a reunião, sempre examinando seu charuto de Virgínia que ele fumava com olhar sério. Após exposição feita por ele ou por um dos membros, eram servidos doces e café. Eram também fartamente consumidos cigarros e charutos. Após algum tempo de conversa sobre assuntos mundanos, as possíveis discussões se abrandavam" HILFERDING, PINHEIRO & VI-ANNA, 1991, p.62)

Oito anos após o início dessas reuniões e com relutância de muitos, Margarete Hilferding pôde participar como membro da então Sociedade de Psicanálise de Viena. Como oradora da noite, em 1911, apresentou para um público de vinte homens, provavelmente perplexos, o trabalho "Sobre as Bases do Amor Materno", questionando o amor materno inato e falando do bebê como objeto sexual da mãe.

Numa época em que o lugar da mulher era o de cuidar das crianças e a profissão de médica não era bem aceita para o sexo feminino, as ideias de Hilferding foram indiscutivelmente revolucionárias.

A psicanálise de criança teve início num período em que a comunidade analítica debatia a formação do analista e tentava institucionalizar essa formação. Nos anos pós-guerra, a preocupação com o mau uso da psicanálise e o temor do charlatanismo contribuíram para a polêmica sobre a conveniência ou não de autorizar os não médicos a este exercício. Uma resolução tomada em 1927 pela Comissão Internacional de Ensino dispensou os psicanalistas de criança da formação médica que era exigência de algumas sociedades psicanalíticas quando se tratava de analistas de adulto.

Isso imprimiu à psicanálise de criança uma busca contínua de reconhecimento. No seio da psicanálise infantil persistiu um debate entre Anna Freud e Melanie Klein em torno do que é a "verdadeira psicanálise". Um dos fatores de discordância era a descrença de Anna Freud quanto à possibilidade de a criança estabelecer uma transferência, aspecto este defendido por Klein e que permaneceu como mais aceito entre os analistas.

Freud, apesar de situar as causas da neurose na sexualidade infantil, não se dedicou à análise de crianças. No início de sua obra, afirmava ser necessário maturidade para alguém se submeter à análise, o que inviabilizava sua aplicação a pessoas jovens, adultos pouco inteligentes e incultos.

Em 1909, com a "Análise da fobia de um menino de cinco anos", Freud lançou o primeiro modelo de análise infantil e provocou agitação e indignação na época, sendo a psicanálise acusada de roubar a inocência dessa criança. Nessa análise, o pai de Herbert (nome verdadeiro do "pequeno Hans") observava e registrava fatos e comentários do filho, cabendo a Freud revelar o sentido para que fosse transmitido a Hans. Freud seguiu os princípios da técnica analítica da época, interpretando à criança seus desejos edípicos e sua angústia de castração. Este caso lhe possibilitou confirmar sua teoria da sexualidade infantil e a aplicabilidade da análise às crianças.

Num pós-escrito de 1922, Freud relatou ter recebido a visita de um jovem de 19 anos que se apresentou como o "pequeno Hans". Este se tornara um rapaz saudável e declarara estar muito bem e não sofrer de nenhuma inibição.

Entre os anos l925 e l930 a questão da profilaxia estava na ordem do dia. Buscava-se a criação de uma sociedade nova. Era a época da reconstrução e dos sonhos. Freud acreditava que a pedagogia de inspiração psicanalítica seria um meio de erradicar as neuroses do adulto. Ao longo de sua obra, pouco abordou a aplicabilidade da análise à criança e foi nas "Novas Conferências", de 1933, que escreveu sobre a psicanálise infantil, sua aplicação e relação com a educação.

Confessando não ter se ocupado o suficiente dessa questão, orgulhava-se por sua filha Anna ter se dedicado à aplicação da psicanálise à educação, que ele dizia ser talvez a mais importante de todas as atividades da psicanálise.

Freud defendia a aplicação da análise infantil como medida profilática, argumentando que os resultados são seguros e duradouros. Propôs modificações na técnica utilizada com o adulto por considerar, dentre outros aspectos, que a associação livre não tinha razão de ser pelo fato de a criança não possuir superego.

Considerando a brincadeira da criança no setting analítico como via régia para o inconsciente, Klein atribuía a este brincar a equivalência da associação livre.

Em relação à transferência, Freud sustentava que esta desempenha papel diferente na análise infantil pela presença real dos pais, opinião defendida por Anna Freud e refutada por Klein. Esta questão é ainda hoje discutida entre os que empreendem a psicanálise infantil, a saber, o lugar dos pais no processo psicanalítico do filho.

No artigo de l909, Freud afirmou que somente a união de pai e terapeuta em uma única pessoa garantira o tratamento analítico de Hans. Não incentivou a generalização e aplicação dessa experiência, mas sua crença de que a análise de Hans só fora possível devido à confluência paianalista provocou grandes repercussões ao longo da história da psicanálise de criança.

Hermine von Hug-Hellmuth, primeira analista depois de Freud a aplicar a análise infantil, divergia da ideia da confluência pai-analista, defendida pelo mestre, argumentando que a criança não confessa jamais seus desejos e pensamentos íntimos e profundos aos pais e que a franqueza psicanalítica do filho dificilmente seria suportada pelo narcisismo parental. Hug-Hellmuth buscava conciliar os objetivos psicanalíticos com os da família, escola e sociedade, tentando desvendar os segredos que a criança ocultava intencionalmente dos educadores. Propunha que o analista de criança não precisava explicitar os impulsos inconscientes, bastando que esses se expressassem em atos simbólicos, sem necessidade de passar pela linguagem falada. O analista deveria ser ao mesmo tempo terapeuta e educador que cura. Essa pedagogia curativa se assemelha ao que foi defendido por Oskar Pfister e que marcou a obra de Anna Freud.

Pfister, interlocutor privilegiado de Freud entre os anos 1909 e 1938, defendeu uma pedagogia adaptativa, considerando ser função do analista orientar pacientes para a sublimação. Freud contestava mostrando que esse método se chocava com a neutralidade analítica, não sendo possível conciliar ciência e religião, nem a prática do inconsciente com as ilusões de uma pedagogia diretiva.

Foi após a morte de Hug-Hellmuth em 1924, que se levantaram as duas correntes da psicanálise de criança representadas por Anna Freud e Melanie Klein. Ambas envolvidas pessoalmente com o pensamento de Freud de que só a união de pai e terapeuta numa única pessoa garantiria o tratamento analítico de uma criança.

Mudanças significativas aconteceram no modo como se concebe a psicanálise de criança, com as convicções teóricas de cada psicanalista influindo na sua prática.

Donald Winnicott, discípulo de Klein, afastou-se desta ao defender a participação do ambiente na constituição do indivíduo e o papel dos pais no processo de maturação da criança. Considerando o brincar não apenas uma alternativa simbólica, mas um tempo-espaço de criação e elaboração da realidade subjetiva e objetiva, se opôs aos que se ocupavam mais de interpretar no setting analítico o conteúdo da brincadeira. Propôs, assim, o brincar compartilhado como atividade autônoma de produção de sentido.

Jacques Lacan, ao considerar que o sintoma da criança corresponde ao sintoma familiar, principalmente ao fantasma materno, contribuiu para a nova prática de análise da criança que se desenvolveu na França com Françoise Dolto, Maud Mannoni, Jenny Aubry, Rosine Lefort e Robert Lefort. Estes últimos criticavam a prática de redução da psicanálise com crianças a uma técnica de jogos e desenhos, defendendo que a criança não deve ser abordada apenas a partir do imaginário. Sustentavam que a criança é um sujeito por inteiro, não havendo diferença entre uma cura de adulto e a análise com uma criança.

A psicanálise é uma só, seja da criança ou do adulto, mas não se pode negar a especificidade do trabalho analítico com crianças. Tomo emprestadas as palavras de Dolto quando diz que ser afetado pelo impacto traumático e pela intensidade lúdica da criança requer uma grande disponibilidade psíquica, o que torna a prática clínica com crianças, na maioria dos casos, mais difícil e delicada do que a psicanálise com adultos.

 

Bibliografia

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